sábado, 20 de junho de 2009

Nunca é tarde.

Por Eder Fischer


Enquanto tomava o seu café preto e forte pela manhã começava a ler o jornal de trás pra frente como de costume, começava sempre pela página de esportes, balançando a cabeça negativamente a cada notícia boa ou ruim que lia na parte dedicada ao Grêmio, ele era gremista, desde pequeno, os seus 35 anos lhe permitiam ainda recordar de todas as grandes conquistas tricolores. O primeiro Campeonato Brasileiro, Libertadores, mundial, copas do Brasil depois, mais brasileiros, mais libertadores... Eram muitos títulos, Glórias, Façanhas, muitos ídolos, grandes dirigentes que vinham do passado e se faziam presente como que desafiando cada parágrafo que lia naquele jornal. O filho se sentava à mesa para tomar o seu Nescau, e ele ignorando os seus oito anos de idade ao invés de um bom dia começava a manhã perguntando:

- Viu o teu time...

O complemento era mais desanimador:...

Vão contratar aquele refugo do futebol europeu, Não conseguiram ganhar daquele time meia boca ou, só conseguiram fazer um golzinho jogando em casa e por ai seguia. No trabalho todos sabiam do seu gremismo, por isso os colegas gremistas sempre o procuravam para saber sua opinião em dia de jogo. Olha com este time vai ser difícil, dizia ele, ou quando o jogo parecia fácil: se não ganhar deste time fecha as portas. Não era menos gremista que ninguém, pelo contrário, era um baita gremistão. Era sócio havia mais de 10 anos. Sempre que dava, ia aos jogos nas sociais com seu filho, tinha umas 20 camisas no armário desde as mais antigas até as atuais, mas ultimamente se sentia meio desgostoso, não tinha mais aquela alegria de torcer, o time não estava bem, o Clube com problemas financeiros, e para ajudar o rival vivia a melhor fase dos seus 100 anos de história, e nos últimos dias passou a não acompanhar muito o seu time fosse lendo o jornal, na Internet ou nos programas esportivos da TV e do rádio, ia ao monumental muito raramente, gostava de olhar jogos internacionais e enquanto suspirava vendo jogadores como Cristiano Ronaldo fazendo jogadas "malabaristicas" falava para o filho, ta vendo? Isto que é jogador, não é aqueles perna de pau que tem no teu time.

Certo dia seu filho perguntou com entusiasmo:

- Vamos no jogo, né, pai?

- Quando, filho?

- Poxa pai, vai ser na quarta! Nós vamos decidir o titulo!

Embora isto nunca tivesse sido problema, a correria dos últimos dias no trabalho fazia com que esquecesse. Então falou meio sem graça...

- É mesmo, filho, claro. Quem a gente pega?

O menino, meio surpreso pergunta:

- Tu não sabe, pai?

- Claro que sei! - fez um esforço enorme, mas conseguiu lembrar.

Logo em seguida, disse:

- Filho, é perda de tempo, não temos time pra ganhar esta taça, se fosse o Grêmio do Felipão eu já encomendava os foguetes, mas este ai...

Seu filho não disse nada e foi saindo, enquanto ele saia percebeu que tirava a camisa. Não qualquer camisa, mas mesma camisa tricolor antiga, que ele vestia quando ia aos jogos na sua infância. Foi deitar e não conseguiu pegar no sono, virava de um lado ao outro na cama, até que se levantou e foi até o quarto do filho para dar boa noite e o peso na consciência fez com que perguntasse meio sem graça:

- Se quiser ir ao jogo, podemos ir. O que é que tu achas?

Sem se virar na cama ele responde:

- Não pai, este time podre não vai ganha mesmo.

Pensou em falar alguma coisa, mas não tinha moral para tal. Só voltou ao quarto e brigou por mais de uma hora para pegar no sono.

No fim da tarde do dia seguinte, o menino chega da escola correndo e lhe dá um abraço; antes de dar um oi, ele fala:

- Pai, eu posso ver o jogo amanhã?

- Claro, filho, podemos ir...

Sem conseguir completar a frase, o menino fala:

- Valeu, paizão, vou ir na casa do Maurício, então!

- Mas o pai do Maurício não é colorado?

- Sim, pai, mas o time deles é bom, como o senhor fala, o nosso time é podre.

Queria dizer que não, mas estaria se contradizendo.

No dia do jogo, ao voltar do trabalho, teve que passar pela azenha em frente ao monumental. O trânsito lento fez com que ele observasse o movimento de um grupo numeroso de gremistas de ambos os sexos e várias idades cantando uma música da torcida que dizia: Grêmio, eu te dou a vida... ele viu um pai com o filho na garupa que cantavam junto. Lembrou do tempo em que era criança e acompanha o seu pai ao monumental, da alegria que era o simples fato de torcer, sem a preocupação com o resto. Ouviu no rádio alguns jogadores que falavam com o coração da alegria de estar disputando o título pelo Grêmio.

Um filme passou na sua cabeça neste momento, tudo que o Grêmio já havia feito na sua vida, as melhores lembranças com seu filho e que tinha de seu falecido pai eram vestindo as três cores sagradas. Lembrou também de quão ingrato tinha sido com o tricolor. Não tinha mais tempo, apertou a buzina e deu um jeito de chagar o quanto antes em casa. Chegando viu que o filho não estava mais, foi correndo até a casa do amiguinho Maurício, mas quando se aproximava, viu pela janela uma grande animação. Lá estava o seu filho, junto ao Mauricio e seu pai, todos vestindo roupas vermelhas. Ficou ali parado, atônito. Não havia nada a ser feito, ele era o culpado. Se virou e voltou para o carro. Era tarde demais.

Baixou a cabeça no volante e cochilou, quando acordou percebeu que estava em seu quarto, que tudo não passara de um sonho. E a primeira coisa que fez, foi acordar seu filho, dar um abraço forte e falar:

Te prepara guri! Hoje é o dia que vamos ao Olímpico.

-Ué? Mas o senhor disse que não vamos ganhar, pai.

Vamos ganhar, sim, filho. Seja qual for o resultado, porque o Grêmio não é apenas um time, é uma lição de vida.

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