terça-feira, 23 de junho de 2009

Por una cabeza.

Por Ricardo Lacerda


A história do Tricolor bem que poderia se confundir com um tango qualquer. O ritmo, surgido no fim do século XIX em bordéis de Buenos Aires e Montevidéu, tem o poder de partir ao meio qualquer coração. Assim foi, assim é, e assim sempre será com o nosso Grêmio. Segundo Henrique Discépolo, autor de Cambalache, “o tango é um pensamento triste que se pode dançar”. E era assim que estávamos ao cair da noite de sábado: tristes com a iminência de uma derrota para o Goiás. Éramos 20 mil no Olímpico, outros tantos milhões Brasil afora.

Assim como um LP (porque tango deve ser ouvido em LP – de preferência um vinil 78 rotações) só termina quando a agulha emudece o lado B, o jogo só acaba quando o árbitro assopra o apito, ergue as mãos para o céu e depois para o centro do gramado. No último suspiro, o flerte fatal e a chave de ouro de um soneto: das melenas douradas às redes de Harlei. Esse foi o caminho da pelota. O último passo do tango bailado sábado só poderia ter sido dado por ele, Maxi López. Nosso centroavante deveria pedir, humildemente, que Gardel reencarnasse num vivente qualquer e cantasse com sua voz inolvidável Por una cabeza, de Alfredo Le Pera.

Foi por una cabeza que empatamos a partida sábado. E foi também por una cabeza que trilhamos a conquista da Libertadores 95. Aquele que talvez seja o tango mais famoso do mundo fala da paixão tresloucada de um homem pelo turfe. A sutil diferença entre o pobre viciado e nós, tricolores, é que os cavalos em que ele apostava jamais venciam.

Historicamente, encarnamos o sofrimento do tango. No entanto, ao contrário do que acontece com a música do Rio da Prata, peleamos sem esmorecer por um gran finale. Fossem gremistas os compositores de tango, o protagonista da canção sempre conquistaria a mulher amada e o apostador jamais perderia no jogo de azar. É assim que fomos forjados, à base da luta. Não adianta levantarem vozes para dizer que a mística da alma castelhana é balela, imitação, e outros quetais. Essas pseudocríticas não passam de ecos invejosos, meros sussurros de quem está longe e quer chegar onde já estamos há tempos.

Mesmo que de maneira inconsciente, temos, sim, a alma castelhana. O gaúcho ortodoxo confunde-se com o gaucho, o vaqueano, o arriero... Enfim, somos todos irmãos de essência. Aqueles que se abrasileiraram demais que tomem o vermelho como bandeira a hastear. Filhos do Sul, nossa cor é o azul.

Contra o Goiás, de onde brotou a gana para buscar o empate em duas oportunidades? Da Argentina. Herrera e Maxi, tal qual Gardel e Le Pera. Precisam apenas afinar a sintonia. Enquanto um compõe, o outro poderá cantar novos tangos à nação tricolor. De início, o espetáculo geralmente soa triste, dolorido, mas o que importa é o resultado final. Os feitos alcançados ao longo de décadas pela instituição da Azenha jamais caíram de maduro. Nunca pedimos que fosse fácil – e nem queremos que seja. Perde a graça e diminui a paixão. Um novo som, tocado ao ritmo do violão e do bandoneón, está surgindo em Porto Alegre. Mesmo que pareçam errantes, que se arme o palco e deixem que eles apresentem. Que, ao menos, contagiem os outros com sua obstinação. A nós, caberá apreciar o espetáculo. Dito isso, me voy.

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