sexta-feira, 24 de abril de 2009

FIEL À HISTÓRIA.

Por Silvio Pilau


Como alguns sabem, fiz aniversário há pouco tempo. Entre os presentes que ganhei, estava um livro sobre o qual jamais tinha ouvido falar: Anjos Brancos: À Beira do Inferno – Os Bastidores do Real Madrid, de John Carlin. A obra é sobre histórias do time do Real Madrid montado por Florentino Pérez no início desse século, quando gastou absurdos milhões para ter no elenco do clube merengue os melhores jogadores do planeta: Figo, Zidane, Beckham, Ronaldo e o prata da casa Raúl. Aqueles que ficaram conhecidos como Galáticos.

Comecei agora a ler o livro. Na verdade, terça-feira à noite. Para quem gosta do assunto e tem o hábito de ler, parece-me uma boa pedida. Posso dar uma opinião mais avalizada quando terminar. No entanto, mesmo tendo recém iniciado a leitura, uma frase chamou a minha atenção. O escritor John Carlin afirma que ela veio da boca do então técnico do Real, Vicente Del Bosque, em uma análise sobre o primeiro duelo com o Manchester United pelas quartas-de-finais da Liga dos Campeões de 2003, vencida por 3 a 1 pelos madrilenhos. Disse Del Bosque: “O Real Madrid jogou de um modo fiel à história do clube”.

Jogou de um modo fiel à história do clube. Quem conhece um pouco da história do futebol sabe que o Real Madrid sempre foi associado ao espetáculo. Desde a equipe de Puskas e Di Stéfano, nos anos 50, o clube tem como filosofia o futebol bonito, ofensivo, de muitos gols. Uma filosofia que nem sempre deu resultados, mas que colocou o Real Madrid na posição de maior clube do século XX em uma eleição recente (da FIFA? Não lembro). E, claro, uma filosofia que atingiu o paroxismo na equipe dos Galáticos de Florentino Pérez.

Naquela partida contra o Manchester, Ronaldo, Zidane, Figo e cia. jogaram de um modo fiel à história do clube. À história daquele clube. Envolveram os diabos vermelhos de tal forma que os próprios ingleses louvaram a atuação dos “anjos brancos” ao final da partida. Não foi uma atuação de raça, de sangue e de luta. Foi, pelo contrário, de leveza, de classe, de requinte. Uma apresentação de talento e de habilidade, de técnica acima da média. Um show. Um espetáculo. Um estilo de jogo fiel à história do clube.

O que tanto me marcou nessa frase foi o fato de pedir o mesmo aos jogadores do Grêmio. Não somente para a equipe atual, mas sempre. O que eu quero, o que todos os torcedores querem, é que os atletas que vestem a camisa gremista joguem de modo fiel à história do clube. Não o futebol arte do Real Madrid. Futebol arte, como diz Peninha, é coisa de veado. A história do Grêmio não foi erigida sobre toques de habilidade, janelinhas, goleadas e apresentações de luxo. A glória do clube mais vencedor do Sul do país é fruto de uma história escrita a sacrifícios, a sangue e com as garras desgastadas de uma chuteira rasgada.

O Grêmio não é filho dos Deuses do futebol como o Real Madrid. Na verdade, parece ser herdeiro de algum Deus da guerra que simplesmente teimou em jogar futebol. O Grêmio é raça, é força, é superação. O Grêmio é o verdadeiro Grêmio em jogos na lama, sob chuvas torrenciais e com jogadores expulsos. Nessas situações, nesses momentos onde a honra é posta em jogo, o Grêmio cresce. Ao longo dos 106 anos, todas as mais importantes conquistas do Grêmio foram alcançadas em partidas onde o que fez a diferença não foi o talento nos pés, mas o sangue nas veias e a hombridade no coração.

Centenas, milhares de jogadores jogaram de modo fiel à história do clube antes mesmo dela existir. Estes atletas, estes heróis, perceberam que o Grêmio era um clube diferenciado e transformaram partidas em batalhas. Fizeram isso porque sabiam que, no Grêmio, não poderia haver outra forma de atuar. Somente o sacrifício poderia corresponder às exigências da torcida. Ao pensar dessa forma, fizeram história. Entraram para a eternidade do futebol por entender que a luta é a verdadeira arte desse esporte. Jamais desistir, jamais se entregar, jamais deixar quaisquer resquícios de vaidade e objetivo pessoal se tornarem maior do que o clube.

E é isso o que peço. Sempre. Peço que joguem de modo fiel à história desse clube grandioso. Joguem como se o mundo fora das quatro linhas não mais existisse. Joguem por cada centímetro de campo e por cada folha de grama. Joguem para que, ao final da partida, o calção esteja sujo e a meia rasgada. Joguem assim, pois é isso que fará toda a diferença no resultado final. Isso fará a diferença da conquista de um título. Isso fará a diferença daqui a muitos anos, quando olharem para trás e analisarem se jogaram como homens ou como covardes.

Joguem assim porque assim nossa história foi forjada. E jogar de modo fiel a ela é a única forma que aceitamos.

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