quinta-feira, 20 de novembro de 2008

VAMOS MOSTRAR QUE É POSSÍVEL

Por Silvio Pilau


Lamento muito o fato de, com o Grêmio disputando o título do mais importante torneio nacional, ter que utilizar este espaço para falar de algo que não seja futebol. Infelizmente, sinto-me obrigado a isso. Querendo ou não, somos, eu e os demais colunistas deste espaço, formadores de opinião. Nossos textos atingem um bom número de pessoas e, por essa razão, não devem funcionar somente como ode aos nossos clubes, mas também como uma ferramenta para promover a tolerância e o entendimento.

Por isso, venho demonstrar aqui todo o meu repúdio diante dos atos ocorridos no Olímpico após a partida contra o Coritiba. Para quem não sabe, uma briga entre as torcidas organizadas do próprio Grêmio terminou com dois baleados, um deles atualmente em estado grave no hospital. O motivo? Uma guerra já conhecida entre as torcidas, iniciada com a dissidência de alguns membros da Geral, insatisfeitos com o rumo que a organizada havia tomado.

Não sou geraldino. Nunca fui. Admiro e cansei de louvar, aqui neste espaço, a incrível paixão dessa torcida, capaz de apoiar durante mais de noventa minutos incessantemente. A Geral revolucionou a forma de torcer em todo o Brasil e, hoje, o estádio inteiro canta suas músicas, contagiado pelo alento que vem de trás da goleira. Isso é inegável e um feito a ser reverenciado. No entanto, repito, não sou geraldino e, portanto, não sei o que se passa nos bastidores da torcida.

Mas, é preciso saber os limites. A Geral não é maior que o Grêmio. E o Grêmio não é mais importante que uma vida. Todo e qualquer ato de violência, seja no Olímpico ou dentro de casa, é de uma estupidez sem igual. Deliberadamente infligir dor em outro ser humano pelo simples fato de se sentir mais poderoso é algo inaceitável para mim e uma atitude com a qual acho impossível coadunar. Isso faz parte de quem eu sou e de como fui criado. Infelizmente, nem todos são assim.


Hoje, vemos a violência em todo lugar. Convivemos com ela. Tememos a violência ao sair de casa. Chegamos a um tempo no qual os valores estão confundidos, no qual ser uma pessoa de bem se tornou uma qualidade, não uma obrigação. A cada dia que passa, acompanhamos novas notícias tão ou mais terríveis do que essa acontecida no Olímpico. O que me revolta ainda mais é ver que tais atos de covardia e burrice ocorrem por motivos cada vez mais fúteis. Um tênis. Uma mochila. Uma disputa de poder entre torcidas organizadas. Uma bandeira estendida com a face de um negro. Tudo tornou-se razão para estas pessoas mentalmente atrasadas retornarem ao seu estado animalesco e partir em busca de sangue, que, muitas vezes, torna-se o seu próprio. São motivos tão ou mais idiotas do que a própria violência.

Senão vejamos: pelo que li, a gota d’água para a briga entre as torcidas no domingo foi o fato de uma delas ter estendido uma bandeira com o rosto do ex-jogador gremista Everaldo. Os racistas do outro lado indignaram-se. Esquecem, estes supostos gremistas, que a bandeira que “defendem” possui uma estrela em homenagem a este atleta. A estrela solitária da bandeira tricolor não é pelo título mundial ou outra coisa, mas uma forma de lembrar a memória deste gremista campeão do mundo em 1970 pela seleção brasileira.

Esquecem, estes supostos gremistas, que a letra de nosso hino, uma música que cantam todos os jogos, foi escrita por Lupicínio Rodrigues, um negro que fez muito mais pelo Grêmio do que qualquer um de nós jamais fará. Esquecem, estes supostos gremistas, que o feito mais celebrado por nossa torcida, a Batalha dos Aflitos, foi vencida com o gol do negro Anderson. Esquecem, estes supostos gremistas, que o título brasileiro de 96 veio pelos pés do negro Aílton. Esquecem, estes supostos gremistas, o homem mais poderoso do mundo é, hoje, um negro.

Racismo, violência, desrespeito. É impressionante como, ainda hoje, tantas pessoas com boa formação continuam dando vida a tais conceitos. Sim, boa formação. Conheço gente do meu círculo que ainda promovem brigas e discriminação, além de se vangloriarem disso. Tenho certeza de que vocês também conhecem pessoas do tipo. Gente burra, parada no tempo e que certamente não estão preparadas para viver em sociedade, junto a pessoas corretas.

Enfim. Poderia ficar aqui um bom tempo expressando minha indignação diante de todo e qualquer ato de violência, especialmente nos estádios, um espaço que deveria ser de alegria e da confraternização promovida pelo esporte. Sei que esse meu texto não vai adiantar. Quem briga, continuará brigando. Mas não custa tentar. Talvez seja um tolo ou um romântico por acreditar na quimera de que ainda é possível fazer um mundo melhor. Que o seja. Enquanto puder, continuarei sendo esse sonhador e fazendo o que posso.

Por isso, peço que todos exercitem o bom senso. Vamos dar um exemplo. Pelo menos dessa vez, peço comentários sem brigas e provocações. Sem discussão. Esse é meu apelo: como protesto a toda essa violência que nos cerca, responderemos com as mãos dadas. Nos comentários, somente mensagens de paz.

Só pra mostrar que é possível. Só pra mostrar que dá para ser correto e decente. Só pra mostrar que, antes de gremistas, somos todos seres humanos.

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