domingo, 2 de novembro de 2008

UMA PAIXÃO

Por Eder Fischer


O Grêmio tem que jogar no 3-5-2, com Paulo Sérgio na ala direita, e recuperar junto ao esquema que nos fez campeões do primeiro turno, a raça.

Desculpe a brevidade do assunto futebol no momento mais importante e angustiante do campeonato. Hoje, gostaria da ajuda de vocês no assunto paixão.

Nessa. Nenessa, Nenessinha. Era difícil chamá-la pelo nome que estava registrado em sua carteira de identidade, Vanessa Alcides Brasil. Lembro-me da primeira vez que a vi entrar na sala onde trabalhava. Era a última palavra da engenharia do design anatômico: compacta, atraente e funcional. Seus cabelos levemente ondulados desciam suaves e castanhos até alcançarem seus ombros, formavam a moldura perfeita para o seu rosto. Seu rosto, ah... Seu rosto, rosto de boneca. Bochechas redondas e coradas. Delicado e sutil, permitia-se ser redescoberto com uma beleza espantosa a cada ângulo diferente em que era admirado, não era um rosto comum com linhas básicas, do tipo, bonito, mais sem sal.

Era expressivo. Tinha muitas linhas e curvas, que no conjunto da obra se encaixavam harmoniosamente, como o Grêmio do Felipão. Não existia um ângulo ruim, uma luz ruim ou uma maquiagem ruim. Apesar de achar um sacrilégio colocar maquiagem naquele rosto. Nenhuma Helena Rubinstein sairia impune ao tentar realçar aquela obra. Não estou exagerando, nada poderia estragar aquela beleza.

Certa vez, ela estava gripada, riamos muito, e uma leve coriza translúcida escorreu de sua narina direita. Em qualquer outra mulher, aquilo seria um ranho, mas nela era como uma gota de orvalho pingando da ponta de um lírio. Logo abaixo de suas sobrancelhas bem desenhadas, estavam dois olhos castanhos que se prolongavam através de cílios negros que quase ultrapassavam a fronteira de seu rosto, separando os olhos, um pequeno nariz pouco arrebitado, logo abaixo do nariz e logo acima do queixo, que era levemente saliente, ficava a estrela do filme, a boca. Que podia dar ordens sem falar; que levaria qualquer homem a loucura em dois segundos, com um simples passar de língua no lábio superior; que implorava com um beicinho.

Muitas vezes, me perdi em pensamentos, olhando para ela. O alicerce de tudo isso, o pescoço, que apesar de tamanha responsabilidade, roubava a cena quando o pobre cabelo estava preso.
Por favor, façam este pequeno exercício: ponham as palmas das mãos abertas para frente. Fechem as duas mãos em forma de conchas. Agora afaste os dedos o máximo que puderem tentando não perder o formato de concha. O espaço interno é o volume que os seus seios ocupam. Se Isaac Newton os observasse, a lei da gravidade jamais existiria. A barriga era perfeita. Nela, havia cavas laterais que, juntas, formavam um “V”; arrastando os olhos até abaixo da linha do cós generoso de suas calças, onde supostamente as linhas do “V” se encontravam, coxas torneadas. Os glúteos lembravam um coração de cabeça para baixo. Tudo que qualquer homem precisa em um espaço de 1 metro e 60 centímetros.

Ela atravessou a sala, levando um papel qualquer a sua mão e, junto com ele, os olhares canibais dos homens que ali estavam. As mulheres olhavam-na com um desdém assassino.

No início, desejei-a instantaneamente ao mesmo tempo em que tratei de me convencer de que ela não era para o meu bico: já havia conseguido pegar outras no mesmo nível, mas a fase não era boa, tratei de esquecer. O tempo passou e fomos nos aproximando, nos tornamos amigos. Sabia que ela gostava de mim, não até que ponto, mas gostávamos de conversar no MSN, almoçar juntos e sentarmos após o almoço esperando o horário de começar o trabalho novamente.

Ríamos juntos. Se ela fosse homem, seríamos grandes amigos. Mas, graças a Deus, ela não era homem. Muito longe disso. Comecei a experimentar seus limites, sempre com sucesso, até que, semana passada recebemos a notícia da festa da empresa, que vai ser dia sete de dezembro. Dois segundos depois, recebi um e-mail. Era ela: “Tu vai para me fazer Campânia, né?”

Apesar de estar tudo se encaminhando para uma noite inesquecível no dia da festa, tenho medo de me iludir , de acreditar que dá, de dar o campeonato, digo, o caso, como certo, e na hora “H” receber aquela resposta clichê das mulheres. “Desculpa... somos muito amigos para termos algo a mais”. E ao mesmo tempo, sei que, se não acreditar e me entregar de corpo e alma para esta paixão, não conseguirei nada. Que dilema! Por isso, peço a ajuda de vocês: investir, alentar e acreditar é o único jeito de conquistá-la. Pode ser que não dê certo, e a queda junto com a corneta dos colegas por um fracasso no outro dia seria quase insuportável. Por outro lado, e este é o lado seguro, ficarei na minha, esperando e dando como impossível este caso. Se acontecer? Ótimo! Se não? Ao menos ninguém vai poder falar que eu fracassei.

Neste caso, só há uma certeza. Dia sete de dezembro, alguém irá tê-la em seus braços, ela já avisou que gostaria de uma companhia. Se não for eu, alguém vai se dar bem. Faltando pouco tempo para a festa, um tal de Paulo do financeiro, que é um grande concorrente, mas que não apresentava nenhum risco, começou a chegar como quem não quer nada e, quarta-feira passada, quando sai de perto dela por quatorze segundos, lá estava ele, de gracejos para cima da moça.
Tem também um mineirinho, come-quieto, um carioca e outro paulista, rondando aqueles 1,60m de perdição.

Mas já me decidi. Comecei o ano sem expectativas, a conquistei em parte. Fui sempre o primeiro em sua preferência. Não vai ser agora que vou me entregar. Não sei o que vocês fariam, mas eu, amanhã, estarei lá, na quina do estádio, junto a melhor torcida do Brasil e do mundo, investindo de corpo e alma para que tenhamos um final feliz, prefiro me arrepender por me iludir demais do que por não tentar.

O mais engraçado é que, ao meu lado, senta um colega marrento, o Gigante, que, apesar de se vangloriar do apelido, o chamamos ironicamente assim por ele ser baixinho. Assim que viu a Nessa, me disse: “esta aí já ta no papo.”

Andou ganhando uma promoção há dois anos. Ele tem grana, é apresentável, mas se esqueceu que, antes disso, ele era o desconhecido responsável pela manutenção e serviços gerais da empresa. Conseguia alguns simpatizantes, apenas, pela sua humildade (a mim, ele nunca enganou). E agora anda dizendo que é melhor que todo mundo. Resultado: Já tomou nos dedos várias vezes da moça. Com ela, não tem mais chance nenhuma. Mas o cara não baixa a crista. Outro dia, pegando um cafezinho, o ouvi falando que ia pegar uma castelhana de segunda, a Sula, que trabalha no almoxarifado. E não é que ele ainda se vangloriava: “Ta vendo a Sula? Eu vou ser o primeiro da empresa a dar um trato nela.”

Coitado, mal sabe ele que o assistente Júnior da diretoria, o qual apelidamos de Boca, também ta louco pra se dar bem com a moça.

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