sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A espada de Dâmocles.

Por Silvio Pilau


Dâmocles é um invejoso. Ou melhor, era, porque hoje já virou pó. Ele viveu em Siracusa, na Sicília, no século VI a.C. Dâmocles era amigo do rei Dionísio. Parceiro mesmo, daqueles de tomar trago junto e caçar minas pela cidade. Ainda assim, mesmo com a amizade, Dâmocles invejava Dionísio. Afinal de contas, seu parceiro era o rei, o soberano, o todo-poderoso. Dionísio tinha ao seu alcance toda a riqueza do reino e vivia somente cercado do bom e do melhor.

- Meu caro rei, você é o homem mais feliz do mundo – disse Dâmocles certa vez ao amigo. – Tem tudo o que pode desejar, na hora que quiser. - Você acha mesmo? – respondeu o monarca. - Mas é claro. Com o seu tesouro e o seu poder, você não tem com o que se preocupar. Vive uma vida ideal. Tem como viver melhor do que isso?

O invejoso insistiu no assunto por diversas vezes ao longo dos dias seguintes. Dionísio, cansado de ouvir Dâmocles repetindo a conversa, decidiu fazer uma proposta.

- Por que você não troca de lugar comigo por um dia?

Dâmocles, surpreso com a oferta, respondeu:

- Não, eu não poderia. Esse lugar é seu. Mas eu transbordaria de felicidade se pudesse experimentar, ao menos por um dia, essa sua grandiosa vida de prazeres infinitos.

- Então está feito – concordou Dionísio. – Troque de lugar comigo por um dia e aproveite tudo isso.

E assim se sucedeu. No dia seguinte, Dâmocles apareceu no palácio e foi logo cercado por criados. Estes puseram-lhe na cabeça uma coroa de ouro e levaram-no à sala de banquetes. Lá, Dâmocles acreditou estar no paraíso. A mesa era farta, repleta de iguarias e delícias variadas, vinhos requintados e o mais fino luxo. O invejoso encostou-se em almofadas confortáveis e foi servido por criados dispostos a tornar realidade cada um de seus desejos.

Dionísio testemunhava aquilo tudo sentado do outro lado da mesa.

- Ah, isso que é vida – refestelava-se Dâmocles.

Pediu, então, mais uma taça de vinho. Ainda em êxtase com tudo o que o cercava, Dâmocles levou o recipiente aos lábios, inclinando-se para permitir a melhor passagem do líquido. Ao fazer isso, empalideceu. Suas mãos começaram a tremer e toda a felicidade que antes o dominava pareceu fugir.

- O que aconteceu, caro amigo? – indagou Dionísio.

Dâmocles, evitando movimentos bruscos, apontou para cima.

- Essa espada!

Imediatamente acima de Dâmocles, havia uma grande espada, cuja lâmina brilhava de tão afiada. Ela estava presa ao teto por um tênue fio e apontava diretamente para a cabeça de Dâmocles. Pendia ameaçadoramente, como se observasse cada movimento do invejoso.

- Você não vê essa espada? – perguntou Dâmocles ao rei.

- Claro que vejo. Vejo-a todos os dias. Vivo sob sua ameaça constantemente. Ela está sempre pendendo sobre a minha cabeça.

- Como? – Dâmocles perguntou, sem entender.

- Um de meus criados pode estar me esperando atrás da porta para me matar. O povo pode começar a inventar mentiras sobre mim para me derrubar. Um reino vizinho pode começar uma guerra para conquistar meu território. Possuir tanto poder é viver com uma grande espada sobre a cabeça.

Dâmocles ficou quieto por alguns segundos, pensando no que o rei acabara de falar. Dionísio prosseguiu:

- Um rei precisa estar disposto a encarar todos estes riscos, entende?

- Entendo – respondeu Dâmocles, cabisbaixo pela lição dada. – Agora entendo. Percebo que a sua vida não é feita somente de prazeres e que um rei tem muito com o que se preocupar. Por favor, deixe-me voltar ao meu lugar.

Dâmocles nunca mais quis tomar o lugar do rei.

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A lendária história contada acima deu origem à expressão “a espada de Dâmocles”, utilizada sempre que alguém se vê diante de algum perigo iminente. Por exemplo, alguém que comanda um carro cheio de problemas está dirigindo sob a espada de Dâmocles, correndo o risco de que, a qualquer momento, alguma tragédia possa acontecer.

Contei essa história porque percebi ontem, durante a partida do Grêmio contra o Santos, que o Tricolor tem jogado os últimos jogos fora de casa sob a espada de Dâmocles. Não interessa se a atuação está sendo boa, se a marcação está funcionando ou se o adversário nada consegue fazer. Seja como estiver a partida, os jogadores gremistas parecem sempre temerosos, com medo de tomar um gol. Parecem jogar como se soubessem que a qualquer momento tomarão um golpe fatal, o que tira toda a tranquilidade e serenidade necessárias para se vencer uma partida fora casa.

Face a tal diagnóstico, concordo com os recentes comentários de que o problema do Grêmio longe do Olímpico não tem a ver com o futebol: é psicológico. Podemos não ter o melhor time do Brasil, mas nosso elenco é bem capaz de vencer fora de casa. No entanto, a pressão já está tão grande por esse triunfo fora de nosso território que o desespero também aumentou, o que se reflete dentro de campo. Cada partida é um problema a ser superado, uma ameaça a ser batida. O nervosismo toma conta e o resultado fica cada vez mais difícil.

O trabalho deve ser feito na mente dos atletas. É preciso voltar a jogar com calma, sem medo. É preciso esquecer a espada de Dâmocles. Caso contrário, em breve, ela se tornará real e a sua lâmina afiada decepará toda e qualquer esperança que tenhamos de alcançar alguma coisa ainda este ano.

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